Ahara Vijñana é o estudo sobre a alimentação e nutrição na perspectiva do Ayurveda. Dentre os oito ramos em que o Ayurveda se divide, Ahara permeia todo o conhecimento, mas não há algo como uma nutricionista ayurvédica nos Samhitas (os textos clássicos). 

Então por que é tão importante estudar sobre esse tema quando estamos dentro da lógica do Ayurveda? O objetivo deste artigo é exatamente este: assim como nos tempos atuais, a ciência da nutrição moderna vem ganhando destaque. Nos tempos dos sábios ayurvédicos, há mais de 5000 anos, já se falava e discutia sobre Ahara.

Entenda a alimentação pela visão do Ayurveda

O Charaka Samhita (um dos textos clássicos ayurvédicos) nos descreve os três pilares da vida (Traya-upasthamba): Ahara (alimentação), Nidra (sono) e Brahmacharya (uma palavra muito difícil de traduzir, mas seriam como condutas morais e éticas). Observe que a alimentação é o primeiro pilar, veja o tamanho da sua importância.

Sendo assim, ele é logo apresentado e explicado em todos os textos clássicos, costurando todas as práticas diárias e sazonais saudáveis.

O que é Ahara?

Tudo que ingerimos vai ser digerido, absorvido e posteriormente vai nutrir nossos tecidos e órgãos. Ou seja, nós nos transformamos a partir do alimento. Se pensarmos que estamos constantemente renovando nossas células, tudo que escolhemos nos alimentar vai fazer parte do nosso corpo, de nós mesmos. Uma baita responsabilidade essa escolha, certo? 

Alimentação saudável no Ayurveda 

Começando a investigar o que seria uma alimentação saudável para o Ayurveda, primeiro precisamos esclarecer um ponto muito importante, pois estamos historicamente um pouco distantes de onde todo esse pensamento foi debatido e precisamos re-contextualizar. 

No Ayurveda estamos falando sempre de comida de verdade. Não existem nos clássicos menções a biscoitos, sorvetes, guloseimas, bolos, cereais matinais, barras de cereais, macarrão e temperos “instantâneos”, salgadinhos de pacote, refrescos, refrigerantes, achocolatados e por aí vai. Esses “alimentos” são o que hoje conhecemos como  ultra processados.

Os alimentos são estudados nos textos clássicos a partir de alguns pontos de vista. O alimento em si e suas características intrínsecas são divididos em grupos alimentares, sabores, sua relação fisiológica com os doshas e seus desequilíbrios, e sua ação terapêutica quando há doenças instaladas em consequência desse constante desequilibrar do corpo.

Ahara é a nutrição ayurvédica?

Então será que existe uma dieta ayurvédica universal? Teriam os sábios feito um plano alimentar perfeito para todos os seres humanos? Seria um sonho, mas infelizmente não temos essa dieta ayurvédica generalista. O que aprendemos a fazer é observar e estudar cada corpo e sua individualidade, relacionando-o com um possível benefício de certos alimentos e combinações específicas. E em certos casos há, inclusive, a recomendação de não se alimentar, ou seja, períodos de jejum. Mas tudo sempre respeitando cada desequilíbrio e constituição individual. 

O papel do médico ou terapeuta ayurvédico é justamente esse: guiar o paciente por todo esse conhecimento, sendo um instrumento de apoio entre o seu autoconhecimento e a aplicação da sabedoria de Ahara como um pilar para a vida. 

Como funciona a alimentação no ayurveda?

Para começar a entender como funciona o Ahara, primeiro é preciso entender alguns conceitos básicos. Os alimentos têm sabor (rasa), características (gunas), potência (virya) e uma ação pós-digestiva (vipaka). Além disso, há o que chamamos de karma, que são as ações que aquele alimento causa no corpo, sejam ações benéficas ou prejudiciais. E todos esses elementos vão ter uma interação com os doshas, ou seja, dependendo da nossa constituição vamos precisar de uma determinada combinação alimentar. Ainda temos que considerar que nossos doshas estão em constante desequilíbrio, o que é um verdadeiro exercício de equilibrista para acertar e, por isso, acabam virando doenças. Portanto, precisamos estudar, nos conhecer e procurar ajuda de profissionais para nos guiar neste mundo de informação.

Os 6 sabores

São listados seis sabores, ou Rasas, logo no primeiro capítulo do Ashtanga Hrdayam:

1. Svadu ou madhura rasa – sabor doce
2. Amla rasa – sabor azedo
3. Lavana rasa – sabor salgado
4. Tikta rasa – sabor amargo
5. Ushna ou katu rasa – sabor picante
6. Kashaya rasa – sabor adstringente

Para saber mais como os sabores interferem nos doshas, leia esse artigo: Rasas (sabores) no Ayurveda: o que são, tipos e seus efeitos no organismo

Virya – a potência dos alimentos

Existem duas potências principais dos alimentos que devemos inicialmente observar:

1. Shita Virya – potência fria
2. Ushna Virya – potência quente

Então um alimento shita virya vai resfriar o corpo e a digestão, ou seja, ele vai ajudar a apaziguar o desequilíbrio contrário, quando há muito calor corporal ou desequilíbrio digestivo com sensação de queimação, por exemplo.

Já um alimento ushna virya vai aquecer o corpo que tenha uma constituição mais fria ou em temperaturas mais frias, como no inverno.

As ações pós digestivas

O conceito de vipaka é a ação do alimento ao final da digestão e podem ser de três tipos:

1. Madhura vipaka – efeito pós digestivo doce
2. Amla vipaka – efeito pós digestivo azedo
3. Katu vipaka – efeito pós digestivo picante 

Alimentos que são doces e salgados tem um efeito pós digestivo doce. Já os sabores azedos, não mudam seu efeito pós digestivo, sendo azedo também. Por fim os sabores picantes, amargos e adstringentes tem o efeito pós digestivo picante.

Você é o que você come ou o que você digere?

Agora que entendemos alguns pontos básicos da lógica da digestão dos alimentos, responder a pergunta “você é o que você come ou o que digere?” fica fácil. Se somos aquilo que, de fato, chega a nossas células, depois de ter passado por todos os processos metabólicos do corpo, temos certeza que somos aquilo que digerimos. E se o que comemos não foi absorvido pelo corpo, ele não vai em última análise fazer parte de nós. 

E aí que temos que ter o maior cuidado, escolhas boas ou ruins vão constituir nosso corpo. Pense no leite materno, o alimento mais perfeito que existe, feito de forma simbiótica de mãe para filho, com os nutrientes que aquele bebê específico precisa. É o alimento mais mágico, sem dúvida, que existe, de todos os animais! Agora pense naquele biscoito recheado que tem muitos aditivos alimentares, farinha de procedência desconhecida, altos teores de açúcar, sódio e gordura saturada. Pense, você se tornará esse biscoito ao fim de sua digestão. 

Primeiros passos para sua nutrição ser ayurvédica

Algumas dicas para começar a se nutrir de acordo com o conhecimento de ahara:

• Autoconhecimento: quem você é, sua constituição
• Auto observação:  como você está, seus desequilíbrios
• Estações do ano: condições climáticas atuais, temperatura e umidade
• Comida de verdade: alimentos in natura ou minimamente processados
• Comida fresca: comida de panela e preferencialmente feita na hora
• Sua relação com a comida: qual alimento é bom para você hoje, agora?
• Atenção plena ao comer, ambiente limpo, em boa companhia.

Benefícios de seguir a alimentação na visão do Ayurveda

Queremos viver bem, se sentindo bem todos os dias, envelhecendo bem. A alimentação é esse pilar importantíssimo para que isso aconteça. Nem tudo será perfeito sempre, mas pense que o mais importante é sempre buscar mais conhecimento, planejamento e muitas vezes ajuda de outros profissionais. Que a alimentação não vire mais uma fonte de neurose e frustração nesse mundo tão difícil, mas sim uma fonte de saúde e vida!

Escrito por:
Débora Gusmão
Nutricionista clínica e monitora da disciplina de Ahara Vijñana do Vidyalaya.

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