Sempre que eu falo em Ayurveda, seja nas aulas ou palestras que eu dou, surge naturalmente uma curiosidade e interesse pelo panchakarma.
Isso é bastante natural, já que o Ayurveda se tornou mundialmente conhecido por causa desse conjunto de terapias, também conhecido como shodhana chikitsa.
Mas bem pouca gente entra no detalhe dessas terapias. Por um lado, porque o panchakarma é um procedimento complexo, que exige internação hospitalar. Por outro, por falta de familiaridade com esses procedimentos, já que eles exigem experiência prática em um hospital na Índia.
Pensando nisso, resolvi escrever uma série de artigos abordando cada uma das terapias de shodhana chikitsa, com o objetivo de te aproximar desse conhecimento.
Optei por começar com o basti karma porque ele é o procedimento mais indicado nos distúrbios de vata dosha, que é o principal responsável pela maioria das doenças listadas nos textos clássicos do Ayurveda.
O que é basti karma?
Basti karma é uma das cinco terapias de panchakarma no Ayurveda, também conhecida como terapia de enema. Na prática, ele consiste na administração de líquidos — decocções ou óleos medicados — por via retal, uretral ou vaginal.
O enema é indicado quando há predominância de vata dosha agravado no organismo do paciente, seja associado ou não com os outros doshas.
Nos primórdios do Ayurveda, a bexiga urinária (chamada em sânscrito de basti) de animais como búfalos, carneiros ou cabras, era utilizada como recipiente para a aplicação de enemas nas pessoas. Daí provém o nome basti.
Tradicionalmente, esse procedimento é feito com uma ferramenta chamada basti yantra, que é composta por duas partes: basti putaka e basti netra.
Basti putaka é a bolsa ou recipiente onde colocamos o líquido e basti netra é o tubo pelo qual administramos o medicamento. Também podemos substituir esses aparatos por uma seringa e uma sonda para fazer a aplicação do medicamento.
Vale a pena lembrar que só devemos aplicar o panchakarma quando a pessoa apresenta os doshas muito agravados, o que conhecemos como bahu dosha. Caso contrário, devemos fazer o nidana parivarjana e o shamana chikitsa.
Na prática clínica, o que eu observo é que poucas pessoas precisam realmente de um panchakarma. Na maioria das vezes, apenas a mudança de hábitos já produz uma melhora significativa nos principais desequilíbrios de saúde das pessoas que chegam até mim.
Quais são os tipos de basti karma?
Podemos dividir a terapia de enema em duas categorias: asthapana basti e anuvasana basti.
Asthapana basti
Também conhecido como niruha basti ou enema de decocção, o asthapana basti consiste na administração de decocções de plantas por via retal.
Ele é indicado em casos como dor abdominal, diarreia, febre crônica, gota, distensão abdominal, cálculo renal e ausência de menstruação (amenorreia).
O enema de decocção também é indicado no caso de obstrução de fezes, flatos ou sêmen, aumento do escroto e doenças diversas causadas por vata dosha desequilibrado.
Anuvasana basti
O anuvasana basti, também conhecido como snehabasti, é um enema com óleo, que pode ser medicado ou não.
Ele é indicado para quem tem agravamento de vata dosha sem envolvimento de outros doshas e também possui um bom agni. Afinal, a pessoa precisa ter um bom poder digestivo para digerir o óleo que é absorvido pela mucosa interna.
Tipos especiais de basti
Além da classificação anterior, também encontramos outros tipos específicos de enemas, que podem ser realizados com decocções ou óleos.
Uttara basti
O uttara basti é um tipo de enema específico, aplicado via uretral ou vaginal. Geralmente, o utilizamos em distúrbios ginecológicos e urinários causados pelo agravamento de vata dosha.
Outra possibilidade de classificação do basti karma é de acordo com a quantidade e a forma de aplicação:
Karma basti: sequência de 30 enemas, normalmente ao longo de 30 dias, começando com 1 anuvasana basti; 24 enemas, intercalando asthapana e anuvasa basti; finalização com 5 anuvasana basti.
Kala basti: sequência de 15 enemas, normalmente ao longo de 15 dias, começando com 1 anuvasana basti; 6 asthapana basti e 5 anuvasana basti intercalados; finalização com 3 anuvasana basti.
Yoga basti: sequência de 8 enemas, normalmente ao longo de 8 dias, começando com 1 anuvasana basti; 3 asthapana e anuvasana basti intercalados; finalização com 1 anuvasana basti.
Matra basti: enema que utiliza a quantidade mínima de óleo indicada nas terapias de oleação interna.
Quais são as contraindicações da terapia de enema?
Se você me acompanha há algum tempo, sabe que o Ayurveda é um sistema de medicina de precisão. Nesse sentido, leva em consideração a individualidade de cada pessoa na hora de propor qualquer tipo de tratamento.
E é claro que nem todo mundo pode realizar o basti karma. Por isso, vou listar aqui para você quais pessoas deveriam evitar esse tipo de procedimento. Essas orientações estão expressas no Ashtanga Hrdayam, Sutrasthana, capítulo 19.
Niruha basti
As pessoas que estão excessivamente oleadas, emaciadas, com diarreia associada com ama (elementos mal digeridos) e que acabaram de passar por terapias de purificação não deveriam fazer asthapana basti.
Também não devem se submeter a este procedimento pessoas que sofrem de tosse, dispneia, salivação excessiva, ascite, diabetes, problemas digestivos, hemorroidas e doenças de pele.
Outro ponto importante: gestantes, a partir do sétimo mês de gestação, não devem realizar o asthapana basti.
Anuvasana basti
O sneha basti é contraindicado para todos os casos que eu mencionei anteriormente no niruha basti, mas também para quem sofre de outras doenças.
Anemia, rinite, icterícia, doenças do fígado, constipação, obesidade severa, gota e aumento do abdômen causado por kapha dosha.
Além disso, pessoas com problemas oftalmológicos, intoxicadas, que sofrem de gota, filariose ou escrófula não deveriam passar por este tipo de procedimento.
Quando considerar o basti karma como uma opção de tratamento?
Além do que você já viu na explicação anterior sobre os tipos de basti, o Ashtanga Hrdayam (A.H. Su. 19:85-86) também indica a aplicação de basti nos seguintes casos:
- Doenças do trato alimentar;
- Doenças localizadas nas extremidades do corpo;
- Doenças em órgãos localizados abaixo dos ombros;
- Doenças localizadas em órgãos vitais.
Isso porque o vata dosha é responsável por todos os movimentos em nosso corpo. Nesse sentido, ele cumpre um papel fundamental no equilíbrio ou desequilíbrio dos dhatus.
Quando vata dosha está sob controle, fica muito mais difícil adoecermos. Também fica mais fácil recuperarmos o equilíbrio do nosso organismo, caso haja um desequilíbrio de kapha ou pitta dosha.
Como você pode ver, o basti é um dos principais procedimentos quando se trata de panchakarma. Nesse sentido, ele deve ser feito sempre por um profissional qualificado e com a devida orientação de um vaidya.
Se você se interessou pelo assunto e deseja se aprofundar ainda mais sobre panchakarma, no Vidyalaya, a nossa Formação em Ayurveda e Saúde Integrativa, vemos cada uma das terapias de shodhana chikitsa de forma detalhada.
Ao longo das aulas, você vai entender o passo a passo para realizar este e outros procedimentos que são essenciais para quem quer se tornar terapeuta Ayurveda.
Um abraço e lembre-se sempre: SAÚDE É LIBERDADE!
Matheus