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Como ter um relacionamento saudável?

Por Matheus Macêdo

Desde que nascemos, precisamos nos relacionar com as pessoas, sejam nossos pais, irmãos, avós, vizinhos, professores, amigos, colegas de trabalho ou até mesmo desconhecidos. Afinal, o ser humano é inerentemente social. Ou seja, ele vive em comunidade.

Porém, acontece que nem sempre esses relacionamentos são perfeitos. Aliás, na maioria das vezes, eles não são. E precisamos aprender a lidar com essas diferenças, caso contrário, viveremos de batalha em batalha.

Mas o que isso tem a ver com Ayurveda? Tudo.

Prajñaparadha e a percepção da realidade

Se você abrir o Charaka Samhita, Sharira Sthana, Capítulo 1, vai ver que ele está falando bastante sobre atmadivijñana. Isto é, o conhecimento de quem você é de verdade.

E o Charaka Samhita, que é um dos textos clássicos do Ayurveda, elabora uma doença, um desequilíbrio, que ele considera a base de todos os outros problemas. É o que a gente chama de prajñaparadha.

A palavra prajñaparadha vem da junção de duas outras palavras: prajña e aparadha.

Prajña significa intelecto e aparadha significa ofensa, falha ou erro. Ou seja, prajñaparadha é um erro do seu intelecto ou uma falha de percepção da realidade. Mas que erro é esse?

O erro de percepção da realidade de que alguma coisa que não é você, é você. Ou alguma coisa que é você, não é você.

É quando você passa por alguma situação e acredita que a realidade do outro é a sua realidade. Então, você passa a interagir com aquela realidade como se ela fosse sua. E isso gera sofrimento.

Desapego: o caminho para os relacionamentos saudáveis

De acordo com o Charaka Samhita, o caminho para a libertação do sofrimento passa pelo desapego.

Desapego significa entender três coisas:

☑ o que é você;
☑ aquilo que é seu;
☑ o que é seu não é necessariamente você.

Quando a gente se relaciona com alguém, cria uma camada de propriedade ali. É o meu amigo, a minha mãe, a minha esposa. Percebe como tem uma camada de apego? E toda vez que você coloca apego numa relação, isso gera sofrimento.

Eu estou falando que isso é errado? Não.

Eu estou falando que isso é certo? Não.

Só é o que é.

Se você é uma mãe e tem três filhos, por exemplo, você tem mais camadas de propriedade, de relação.

Se você é uma avó que tem três filhos e sete netos, tem mais camadas de relação e de apego.

Como diz o Pequeno Príncipe, a gente se torna eternamente responsável por quem a gente cativa, não é isso?

Então, como você se responsabiliza, de alguma forma, por aquilo que você cativa, você cria uma camada de identidade, uma camada de apego nos seus relacionamentos.

É por isso que um relacionamento saudável precisa de cuidado.

Se for uma pessoa aleatória dizendo que você está com sobrepeso, ou que você não é inteligente o suficiente, ou que você não cumpriu alguma expectativa da pessoa, isso gera X quantidade de sofrimento.

Agora, se for uma pessoa com a qual você se importa, como o seu pai ou a sua mãe, isso gera 10X quantidade de sofrimento.

Mas essa não é a única forma de relacionamento. Você também se relaciona consigo mesma. Por isso, quero dar uma aprofundada nisso antes de te dizer como ter um relacionamento saudável.

Relacionamento interno: aprendendo a se relacionar consigo mesma

Relacionamento interno é o relacionamento que você tem com você mesma. Sabe aquelas duas pessoas que estão conversando aí dentro dessa sua cabeça? É sobre esse relacionamento que eu estou falando.

Se você parar para refletir, vai perceber que, muitas vezes, o diálogo entre elas é contraditório.

Imagina que alguém te xinga de alguma coisa que você sabe que você não é. Por exemplo: alguém passando na rua diz “que cabelo verde horrível”.

Aí você pensa “mas eu não tenho cabelo verde”. Como isso não ressoou com o seu diálogo interno, você descarta e continua sua vida.

Agora, imagine que o seu companheiro ou companheira te chama de controladora. E você até acha que é um pouco controladora às vezes, mas não gostaria de ser.

Quando a ideia que a outra pessoa propôs ressoa com o seu diálogo interno, isso pode gerar problemas.

Isso porque o seu apego a essa pessoa, que te disse algo que desperta a sua insegurança, faz com que você comece a criar ainda mais diálogos internos. E esses diálogos internos também causam sofrimento.

Eles podem despertar inseguranças, mexer com a sua autoestima e desestabilizar sua mente. E isso pode se refletir nos seus relacionamentos externos.

— Tá bom, Matheus, já sei que os relacionamentos são difíceis e geram sofrimento. Mas como posso ter relacionamentos saudáveis a partir de agora?

5 dicas para ter um relacionamento saudável

Sendo externo ou interno, o primeiro passo para que você tenha um relacionamento saudável é ter clareza sobre quem você é. E os Samhitas chamam isso de atmadivijñana.

1. Saiba quem você é

A palavra atmadivijñana é a junção de três outras palavras: atma, adi e vijñana.

Atma, ou Avyakta, como o Charaka Samhita chama, é aquilo que não pode ser conhecido, aquilo que não pode ser visto. É aquilo que experiencia a vida através de sharira (corpo), indriyas (sentidos) e sattva (mente).

Adi é uma expressão que pode ser interpretada como “etc” ou “e outros”. O que ele quer dizer, neste caso, é que você deve compreender que você é formada por sharira (corpo), indriya (sentidos), sattva (mente) e Atma.

Vijñana, por sua vez, significa conhecimento. Portanto, atmadivijñana é o entendimento dessas camadas que compõem o seu ser e a compreensão de que é Atma que está por trás de tudo isso.

Se você sabe o que é e o que não é você, quando se relaciona com outra pessoa, vai saber que ela não é você. Nesse momento, você se livra de uma camada de propriedade sobre aquela pessoa. Logo, tem muito menos estresse nesse relacionamento.

E isso gera mais respeito, permite que se estabeleçam limites na relação, deixa de haver tantas obrigações e deixa de haver a identificação que gerava o apego.

Do ponto de vista dos relacionamentos internos, atmadivijñana também é a solução.

Por exemplo, imagine que você está em uma situação na qual não sabe se você está sendo ética ou não. Tem dois lados da sua mente argumentando coisas opostas, construindo um diálogo contraditório.

No momento em que você entende o que você é, no momento que você entende o que você quer, esse diálogo perde a força.

Tudo isso são oscilações da mente, percebe? Você só precisa encontrar o equilíbrio. E a chave para isso é o conhecimento de quem você é de verdade.

2. Tenha presença

As oscilações da mente e a diversidade de distrações que a gente tem hoje faz com que quase nunca estejamos realmente presentes nos nossos relacionamentos.

Por exemplo: quando você senta para jantar com seu namorado ou a sua namorada, você dedica total atenção à pessoa que está à sua frente ou fica mexendo no celular de cinco em cinco minutos?

E quando alguém está desabafando alguma coisa, você realmente ouve essa pessoa ou fica criando diálogos internos para respondê-la? Ou pior, fica pensando nas mil e uma coisas que você precisa fazer dali a pouco?

A saúde dos seus relacionamentos está diretamente ligada à atenção e ao cuidado que você dá a eles. Por isso, esta é a minha segunda dica para você ter um relacionamento saudável: presença.

3. Viva no presente

Já que falamos de presença, também precisamos falar do presente. Muitas vezes, os relacionamentos deixam de ser saudáveis porque a gente fica resgatando coisas do passado ou remoendo coisas antigas sem parar.

Por exemplo: seu pai esqueceu do seu aniversário, mas lembrou do aniversário da sua irmã. E mesmo depois de dez anos você fica lembrando esse fato como se tivesse sido hoje, revivendo todos aqueles sentimentos.

Se você ainda não resolveu isso com o seu pai, exerça a presença e converse com ele. Diga como você se sentiu. E depois encerre o assunto. Viva o presente.

4. Regue seu jardim

Para que você tenha um relacionamento saudável, precisa entender qual é a prioridade disso na sua vida.

Relacionamentos são como plantas. Se você cuida, rega, coloca ela para tomar sol, aduba, ela cresce, ela se torna mais saudável.

Por outro lado, se você deixa ela ali num cantinho, lembra dela uma vez por mês, ela vai ficar doente, murchar e morrer.

Com os relacionamentos acontece exatamente a mesma coisa. Se você quer que eles sejam saudáveis, dedique-se a eles.

5. Exercite a empatia

O nosso ego tenta a todo momento dizer que nós estamos certos e os outros é que estão errados. Então, ou tentamos convencer as pessoas das nossas ideias ou calá-las. É a cultura do cancelamento nas redes sociais, por exemplo.

Se você viver sempre desta forma, pode acabar afastando pessoas que são importantes para você. Ou, então, vai sofrer sempre que alguém não fizer aquilo que você esperava que fizesse.

Por isso, minha última dica de hoje é: exercite a empatia. Coloque-se no lugar da outra pessoa e imagine como você gostaria que as pessoas te tratassem se você estivesse no lugar dela.

Para resumir a nossa conversa, um relacionamento saudável é construído ao longo do tempo. À medida que você sabe quem você é e sabe quem você não é, consegue estabelecer limites saudáveis nas suas relações.

Assim, deixa de se apegar às imagens que constrói acerca das outras pessoas e entende que cada uma tem o seu caminho, inclusive você.

Se você gostou deste artigo e ficou com vontade de se aprofundar ainda mais nessas oscilações da mente e em como transformar os seus relacionamentos, te convido a conferir o artigo Kleshas: as cinco aflições da mente humana.

Um abraço e lembre-se sempre: Saúde é Liberdade!

Matheus

1 comentário em “Como ter um relacionamento saudável?”

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