Por Anelize Moreira, gerente de escrita, com a colaboração de Alice Azara
Terça-feira, 24 de março, três da tarde, telefone toca: “Filha, prenderam três pessoas aqui e a PM fechou a rua de casa. Hoje está difícil me acalmar, minha pressão subiu. Cada um que passa conta que os hospitais da região estão cheios e não tem leito suficiente pra todo mundo.”
O meu medo morando em um bairro de classe média da zona leste de São Paulo é diferente do medo do meu pai, que aos 73 anos, com doenças cardiovasculares e diabetes, mora em um bairro periférico na mesma região da cidade. São Paulo é o epicentro da pandemia no Brasil, com maior número de casos confirmados do COVID-19.
Peço a ele pra não sair de casa. Ele diz que vai ficar, mas que o dinheiro está curto, não está conseguindo trabalhar e não sabe o que fazer. Ele conta que tem muita gente ainda na rua e que o isolamento não faz parte completamente do cotidiano do bairro. E garante que os vizinhos têm se apoiado e se unido nesse período para cuidar uns dos outros.
Os moradores das periferias enfrentam inúmeras dificuldades pra conseguir seguir as orientações vigentes e se protegerem do COVID-19: falta de saneamento básico, custo dos produtos de higiene, a impossibilidade de parar de trabalhar, preocupações com a sobrevivência, além daquelas enfrentadas cotidianamente, como falta de segurança e recursos.
No Rio de Janeiro, por exemplo, com o crescimento do coronavírus, moradores, ativistas, profissionais da saúde e comunicadores comunitários têm se mobilizado, realizando ações de enfrentamento à doença no Complexo de Favelas da Maré, zona norte do Rio de Janeiro.
A Maré possui um conjunto de 16 favelas e aproximadamente 132 mil moradores. Comunicadores comunitários que já fazem o trabalho de mais de 20 anos na favela organizaram uma campanha contra a pandemia. Nessa campanha, uma das preocupações é atingir os diferentes públicos da favela, pois muitos moradores não têm acesso a internet e não sabem ler e escrever.
“Começamos a fazer uma campanha com carro de som que passa pelas ruas com as orientações produzidas pelos profissionais de saúde da favela, desde recomendações de prevenção até sobre quando procurar um médico”, explica Gizele Martins, moradora e comunicadora da Favela da Maré.
Além disso, essas recomendações estão sendo distribuídas nas rádios postes e comunitárias, em comércios, bares e também em redes sociais, como Whatsapp e Instagram.
“Buscamos uma linguagem de solidariedade e acessível. A favela sofre com a falta de água, então como lavar as mãos de duas em duas horas? Orientamos: Se você tem água doe para o seu vizinho. E também precisamos cobrar do poder público pra que garanta água, energia, saneamento e queremos que os trabalhadores informais tenham acesso a benefícios e alimentação. Se é preciso ficar em quarentena é importante que o governo garanta os direitos básicos de trabalhadores como faxineiras, empregadas domésticas, porteiro, mototáxi, motoristas de aplicativos e comerciantes, para que consigam seguir a quarentena”, afirma Gizele.
O Grupo de Trabalho de Saúde da População Negra da Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade, e a Associação de Medicina de Família e Comunidade do Rio de Janeiro lançaram um guia com orientações de prevenção do COVID -19 para a população das periferias.
O material traz dicas viáveis de como se proteger, desde lavar as mãos, higienizar a casa e entreter as crianças na fase de quarentena, de acordo com os recursos disponíveis e a realidade vivida pelas pessoas que sobrevivem às condições de vulnerabilidade.
É na periferia que se concentram os trabalhadores que nem sempre podem atender ao chamado do “fique em casa”. Destacamos algumas orientações do guia que podem auxiliar nesse momento:
AOS QUE SEGUIRÃO TRABALHANDO DEVIDO A FRAGILIDADE DE VÍNCULO EMPREGATÍCIO OU POR NECESSIDADE:
1. Preciso usar transporte público. Como posso me proteger?
2. Preciso circular na rua. O que devo fazer?
3. Círculo de mototáxi. O que devo fazer para me proteger?
LIMPEZA DAS MÃOS
1. Como lavar as mãos?
2. ATENÇÃO:
3. Quando lavar as mãos?
OUTRAS FORMAS DE PROTEÇÃO
1. Além de lavar as mãos, é muito importante:
MÁSCARA DE PROTEÇÃO
1. Não estou doente, preciso usar?
2. Convivo com uma pessoa que está doente, ela precisa usar máscara?
3. Convivo com uma pessoa doente e minha casa só tem um cômodo, o que fazer?
Os comunicadores comunitários da Maré estão fazendo uma vaquinha virtual pra continuar disseminando as informações nos próximos meses.
Revisão de: Rafael Sposito